quinta-feira, 28 de junho de 2012

Fundamentalista é isso? (Tempora-Mores Blog)




O termo "fundamentalista" está entre os rótulos mais mal compreendidos e mal empregados nos meios evangélicos. É o rótulo preferido por alguns para se referir, sempre com viés pejorativo, a quem adere com firmeza a determinadas doutrinas que são consideradas como antigas e ultrapassadas.


Nada mais natural do que procurar esclarecer o significado do termo. Acho que a primeira coisa a ser feita é lembrar que o termo "fundamentalista" tem sido usado para diferentes grupos através da história e no presente.

1) O fundamentalista cristão histórico não existe mais. Ele existiu no início do século XX, durante o conflito contra o liberalismo teológico que invadiu e tomou várias denominações e seminários nos Estados Unidos. J. G. Machen, John Murray, B. B. Warfield, R. A. Torrey, Campbell Morgan, e mais tarde Cornelius Van Til e Francis Schaeffer, são exemplos de fundamentalistas históricos.

2) O fundamentalista cristão americano ainda existe, mas perdeu muito de sua força. Embora tenha surgido ao mesmo tempo em que o fundamentalismo cristão histórico, separou-se dele quando adotou uma escatologia dispensacionalista, aliou-se à agenda republicana dos Estados Unidos, exerceu uma militância belicosa contra tudo que considerasse inimigo da fé cristã. Defendia e praticava o separatismo institucional de tudo e todos que estivessem ligados direta ou indiretamente a esses inimigos. Pouco tempo atrás faleceu o que pode ter sido o último grande representante desse gênero de fundamentalista, o famigerado Carl McIntire. Alguns consideram que Pat Robertson é seu sucessor, embora haja muitas diferenças entre eles.

3) O fundamentalista denominacional é aquele membro de denominações cristãs que se consideram oficialmente fundamentalistas e que até trazem o rótulo na designação oficial. Após um período de grande florescimento no Brasil, especialmente no Nordeste e em São Paulo, as igrejas fundamentalistas, presbiteriana e batista, sofreram uma grande diminuição em suas fileiras. Grande parte das igrejas fundamentalistas presbiterianas regressou à Igreja Presbiteriana do Brasil, de onde estas igrejas saíram na década de 50. Em alguns casos, o fundamentalismo denominacional do Brasil foi marcado por laços financeiros e ideológicos com McIntire. Hoje, até onde eu sei, não há mais esse laço. No Brasil, o fundamentalismo denominacional que sobrou desenvolveu em alguns de seus grupos (mas não em todos) uma síndrome de conspiração mundial para o surgimento do Reino do Anticristo através do ocultismo, da tecnologia, da mídia, dos eventos mundiais, das superpotências. Acrescente-se ainda o desenvolvimento de uma mentalidade de censura e apego a itens periféricos como se fossem o cerne do evangelho e critério de ortodoxia (por exemplo, só é bíblico e conservador quem usa versões da Bíblia baseadas no Texto Majoritário, quem não assiste desenhos da Disney e não assiste “Harry Potter”).

4) O fundamentalista cristão xiita é sinônimo de intransigência, inflexibilidade, ser-dono-da-verdade e patrulhamento teológico. Essa conotação do termo ganhou popularidade após o avanço e crescimento do fundamentalismo islâmico. Esse tipo tem mais a ver com atitude do que com teologia. Nesse caso, é melhor inverter a ordem e chamá-lo de xiita fundamentalista. Na verdade, xiitas podem ser encontrados em qualquer dos campos protestantes. A propalada tolerância dos liberais e neo-ortodoxos é mito. Há xiitas liberais, neo-ortodoxos, e obviamente, xiitas fundamentalistas. Teoricamente, alguém poderia ser um fundamentalista e ainda não ser um xiita.

5) Por fim, o fundamentalista cristão teológico, outro sentido em que o termo é muito usado e que significa simplesmente ortodoxo ou conservador em sua doutrina. O fundamentalista teológico se considera seguidor teológico dos fundamentalistas históricos e simpatiza com a luta deles. Sem pretender ser exaustivo, acredito que podem ser considerados fundamentalistas teológicos atualmente os que aderem aos seguintes conceitos ou a parte deles:
  •  a inerrância da Bíblia
  • a divindade de Cristo
  • o seu nascimento virginal
  • a realidade e historicidade dos milagres narrados na Bíblia
  • a morte de Cristo como propiciatória, isto é, por nossos pecados
  • sua ressurreição física de entre os mortos
  • seu retorno público e visível a este mundo e a ressurreição dos mortos
Outros pontos associados com o fundamentalismo histórico são o conceito de verdades teológicas absolutas, o conceito de que Deus se revelou de forma proposicional e a aceitação dos credos e confissões da Igreja Cristã.

Numa esfera mais periférica se poderia mencionar que a maioria dos fundamentalistas históricos prefere o método gramático-histórico de interpretação bíblica e tem uma posição conservadora em assuntos como aborto, eutanásia e ordenação feminina. Muitos ainda preferem a pregação expositiva. 
E todos rejeitam o liberalismo teológico.

Em linhas gerais, o fundamentalista teológico acredita que a verdade revelada por Deus na Bíblia não evolui, não cresce e nem muda. Permanece a mesma através do tempo. A nossa compreensão dessa verdade pode mudar com o tempo; contudo, essa evolução nunca chega ao ponto radical em que verdades antigas sejam totalmente descartadas e substituídas por novas verdades que inclusive contradigam as primeiras. O fundamentalista teológico reconhece que erros, exageros e absurdos tendem a ser incorporados através dos séculos na teologia cristã e que o alvo da Igreja é sempre reformar-se à luz dos fundamentos da fé cristã bíblica, expurgando esses erros e assimilando o que for bom. Admite também que existe uma continuidade teológica válida entre o sistema doutrinário exposto na Bíblia e a fé que abraça hoje.

Acho que é aqui que está a grande diferença entre o fundamentalista teológico e o liberal. Esse último acredita na evolução da verdade a ponto de sentir-se comissionado a reinventar a Igreja e o próprio Cristianismo.

Muitos me chamam de fundamentalista. Bom, não posso ser fundamentalista histórico, pois nasci muito depois da luta de Machen. Contudo, sou fã dele, que era um perito em Novo Testamento. Não sou um fundamentalista americano, pois sou brasileiro da Paraíba, nunca recebi um tostão de McIntire e sou amilenista. Aliás, nem conheci McIntire pessoalmente. Fui fundamentalista presbiteriano denominacional por decisão dos meus pais quando eu tinha doze anos. Saí da denominação fundamentalista após conversão e entrada no ministério pastoral. Também não me acho xiita. Há controvérsia sobre isso, eu sei.

Na categoria de fundamentalistas teológicos encontramos presbiterianos, batistas, congregacionais, pentecostais, episcopais, e provavelmente muitos outros. É claro que nem todos subscrevem todos os pontos acima e ainda outros gostariam de qualificar melhor sua subscrição. Contudo, no geral, acho que posso dizer que os fundamentalistas teológicos não fariam feio numa pesquisa de opinião sobre o que crêem os evangélicos brasileiros. Por esse motivo, e por achar que o assim chamado fundamentalismo teológico é simplesmente outro nome para a fé cristã histórica, não fico envergonhado quando me rotulam dessa forma, embora prefira o termo calvinista ou reformado.

Augustus Nicodemus Gomes Lopes é ministro da Igreja Presbiteriana do Brasil e chanceler na Universidade Presbiteriana Mackenzie














terça-feira, 5 de junho de 2012

Não UM DOS, e sim O (Fiel)




Há uma pergunta fundamental que todos nós temos de enfrentar. Por "fundamental", não quero dizer que ela é a única pergunta que temos de responder. O que pretendo dizer é que esta pergunta é tão importante que, se você a entende errado, você entenderá errado a maioria das coisas que são realmente importantes. A pergunta fundamental é aquela famosa pergunta que Jesus fez aos discípulos em Cesareia de Filipe: "Vós, quem dizeis que eu sou?" (Mc 8.29).

Talvez alguns se surpreendam com o fato de que Jesus fez esta pergunta. A pergunta fundamental para Jesus não é "Quem são os seus pais?", ou "Você tem mente aberta?", ou "O que você fará para mim?" A pergunta fundamental diz respeito ao que você crê. Jesus está interessado na fé e começa com doutrina.

Há pouco tempo, enquanto eu andava por um ponte que fica perto de nossa igreja, vi um grafite que dizia: "Eu não preciso de religião. Eu tenho uma consciência". Posso apenas imaginar o que aquele grafiteiro estava tentando dizer, mas penso que ele (ou ela) admite que a religião é apenas um truque para levar as pessoas a se reorientarem e se comportarem melhor. A religião é para ele nada mais do que um código moral para se fazer o bem. E quem precisa de um código religioso, com todos os seus rituais e acessórios institucionais, se tem uma consciência?

No entanto, o grafiteiro entendeu muito mal o cristianismo. A pergunta fundamental para Jesus não é "Você fará o que eu quero que você faça?", e sim "O que você diz que eu sou?" Tudo flui de um entendimento correto sobre Jesus – não somente o que ele ensinou ou o que ele fez, mas quem ele é.
Inicialmente, Jesus perguntou aos discípulos: "Quem dizem os homens que sou eu?" (Mc 8.27). Em outras palavras: "O que vocês estão ouvindo as pessoas dizerem sobre mim? O que elas falam nas ruas?" Os discípulos deram três respostas: "Uns estão convencidos de que tu és João Batista; outros acham que tu és Elias. E existem outros que não têm certeza e pensam que tu és um dos profetas". Isso é impressionante. Aquelas pessoas reconheceram que Jesus era um homem que ensinava o caminho de Deus, um líder que chamava o povo de volta para Deus. Sabiam que Jesus fazia milagres como Elias, falava com autoridade como os profetas e tinha seguidores como João. Nada mau. Chamar Jesus de "um dos profetas", depois de quatro séculos de anos silenciosos, após Malaquias, é uma afirmação impressionante.

No entanto, as multidões estavam muito erradas. Jesus não é um dos; ele é o. Jesus não é um apontador como João Batista, Elias ou um dos profetas. Ele é o ponto. Parece muito nobre chamar Jesus de um profeta, um mestre popular, um realizador de maravilhas, um homem bom, um exemplo brilhante ou uma parte de uma extensa lista de pessoas iluminadas. Contudo, todas essas descrições erram no que diz respeito a quem é Jesus. Em todas elas, você está dizendo que Jesus é um dos (cf. v. 28). E, se você diz que Jesus é apenas um dos e não o, você não o entendeu. Você não percebe quem ele realmente é. Jesus é o Cristo, o Filho do Deus vivo (Mt 16.16).

Talvez você pense que esteja dizendo coisas complementares sobre Jesus, quando o chama de um dos profetas, um grande homem ou um mestre iluminado. Contudo, você não o está realmente complementando. É como dizer que o sol é uma das muitas luzes que usamos para iluminar a casa, que Michael Jordan costumava jogar basquete para os Bulls ou que Barack Obama possui uma casa em Chicago. Essas afirmações são todas verdadeiras. Mas são também falsas porque não dizem o bastante. O sol é a estrela de nosso sistema solar. Michael Jordan é o melhor jogador de basquete de todos os tempos. Barack Obama é o presidente dos Estados Unidos. Se você não diz essas coisas, não está dizendo o que é realmente importante. Por não dizer o que é mais importante e mais singular, você está, na verdade, dizendo algo enganador.

No que diz respeito a identificar Jesus, verdades parciais que ignoram a verdade maior acabam contando uma mentira. É verdade que Jesus é um profeta (Mc 6.4; Dt 18.18). Mas ele não é como João Batista. Jesus não é outro Elias. Ele não é meramente um dos profetas. Jesus é aquele para quem todos os outros profetas apontavam. Por isso, chamar Jesus de profeta e nada mais do que um profeta equivale a não compreender, no nível mais profundo, quem é este homem. Se você descrevesse sua esposa como "uma mulher bonita entre muitas mulheres bonitas no mundo", como "uma pessoa que eu respeito profundamente" ou como "a última numa extensa lista de mulheres que amei", a sua esposa ficaria satisfeita? É claro que não. Você a teria menosprezado com elogios fracos. Você a teria insultado por diminuir sua singularidade e descrevê-la em termos muito aquém do que ela merece.

Portanto, rejeite todas essas descrições ilógicas de que Jesus é como Maomé, como Buda, como Dalai Lama, Ghandi ou a sua avó piedosa. Ele não é como ninguém mais. E, por isso, não fiquemos impressionados quando alguém chama Jesus de um homem bom, uma pessoa iluminada ou um dos profetas. Ele não é um dos, ele é O.


Kevin DeYoung é o pastor da University Reformed Church em East Lasing, MI, EUA. Obteve sua graduação pelo Hope College e seu mestrado pelo Gordon-Conwell Theological Seminary. É autor de diversos livros, preletor em conferências teológicas e pastorais, é cooperador do ministério "The Gospel Coalition" e mantém um Blog na internet "DeYoung, restless and reformed". Kevin é casado com Trisha com quem tem 4 filhos.




Traduzido por: Francisco Wellington Ferreira
Editor: Tiago Santos

Copyright © Kevin DeYoung 2012
Copyright © Editora Fiel 2012
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