quinta-feira, 13 de junho de 2013

Deus nos livre da religião sem inferno (Ministério Beréia blog)



Este Papa tem permitido a este Protestante esclarecimentos interessantes acerca da fé. Os apuros de Francisco são oportunidades evangélicas. Só assim de repente, disse com razão que a Igreja não é uma ONG, trouxe um edge não-europeu a uma instituição cheia de pudores ocidentais, montou get-realness nos excessos ornamentais romanos. Claro que isso também traz desafios. Há muitas pessoas inclinadas a gostar de Francisco porque em muito ele aparece como o Papa menos Papa e elogios desses não são condecorações mas pregos no caixão (e outros há que passaram a ter em Ratzinger o seu Papa preferido porque na prática ele tornou-se o Papa que deixou de o ser). Diria que é preciso cuidado com os atalhos que são maneiras de ganhar a corrida sem a correr. Há muitas maneiras de elogiar este Papa que são maneiras de odiar a Igreja Romana. Eu, que não sou católico romano, não me quero meter nesse negócio.
Mas gostaria de me concentrar em dois episódios recentes. Um bom e outro mau. Pelos vistos o Papa orou para expulsar o demônio do corpo de um doente que lhe trouxeram à Praça de São Pedro. Evento perfeito para a época de fenômenos de Youtube. Independentemente das importantes diferenças entre católicos romanos e protestantes é bom lembrarmo-nos de vez em quando que a existência de Satanás não é uma fábula que servia a imaginação delirante dos cristãos analfabetos dos primeiros séculos (claro que muitos que reclamam ser cristãos dirão que a existência de Satanás é impossível de conciliar com a contemporaneidade mas não me sinto chamado a gastar tempo com essa burguesia religiosa epistemologicamente instalada). O pior veio quando Francisco parece que quis tirar uma folga e quando deu por si estava a arranjar no Céu lugar até para os que não estão interessados nele. Claro que deu raia e a Igreja Católica Romana teve de explicar que afinal o Inferno existe e que é preciso termos uma relação com ela para nos safarmos dele.
A partir daí ouvi dos meus amigos ateus piadas engraçadas acerca de saberem que tipo de roupa tinham de meter afinal na mala para a travessia Além, ridicularizando que ainda fosse possível crer na realidade do Inferno. E nessa ocasião apercebi-me que por bem artilhadas que estejam as punchlines ninguém se safa de se perder pelo trilho da gargalhada. As pessoas que me acusam de possuir uma fé ridícula por crer na existência do Inferno têm de me provar os méritos de ser menos ridículo acreditar que não é possível que o Inferno exista. Tim Keller citava no seu livro “The Reason For God” o poeta polaco Czeslaw Milosz que dizia que um verdadeiro ópio do povo é acreditar que depois da morte não se passa nada. E que estupendo será pensar que poderemos fazer qualquer coisa nesta vida sem que nunca tenhamos de prestar contas. Marx estava errado – é muito mais atraente desprezar um conceito eterno de justiça para que possamos viver deste lado como bem nos apetece.
Mas com isto não quero bater nos proto-condenados porque o meu trabalho é em favor deles (como proto-condenado que também já fui). Mas nos crentes que ao julgarem-se mais iluminados por desprezarem a existência do Inferno apenas oferecem aos outros mais trevas. Não é precisa muita metafísica para compreender que ou o Inferno existe ou as igrejas não servem para nada. Sabemos que hoje há muitos cristãos (e católicos em particular) que tentam sobreviver pela via estética. O que é que isto quer dizer? Que defendem a fé sobretudo a partir da perspectiva que o cristianismo é bonito. Quando o fazem tentam evitar as discussões difíceis e ingratas acerca do cristianismo ser verdadeiro. A palavra verdade assusta as pessoas e muitos destes cristãos são os primeiros a fazer xixi nas calças. Reparem que mesmo o Ratzinger que admiro quando decide encontrar-se com os artistas portugueses na visita que nos fez há três anos tomou esta estratégia – ganhar os estetas com a estética. O problema desta abordagem não é que ela seja falsa: o cristianismo é efetivamente belo. O problema desta abordagem é o que o próprio cristianismo diz acerca dela na primeira Carta aos Coríntios no capítulo quinze: se o cristianismo não for verdadeiro (neste caso na veracidade do facto da ressurreição) então os cristãos são os mais miseráveis dos homens. Ou seja, o Apóstolo Paulo explica que ou a fé é verdadeira ou não serve para nada e não há beleza que lhe doure a pílula. Não promovo a desvalorização da beleza, simplesmente não desejo que ela triunfe às contas da desvalorização da verdade.
A religião que sobrevive fora da convicção da existência do Inferno vive absorvida nos seus bonitos olhos azuis. Por alma de quem vale a pena professar a fé em alguém a quem chamamos Salvador se não há nada do qual precisamos ser salvos? Por que diabo havemos de gastar tempo em missas e cultos e desdobrados em boas ações se no final de contas todos recebem o prêmio independentemente do que foram e fizeram? A isto chama-se brincar com coisas sérias e, sobretudo, um valente desperdício de tempo. Se é para isto que tantos mártires deram a vida avisem-me que procuro já outra carreira. Ser Pastor é engraçado mas, acreditem, há profissões mais divertidas.
Qual a alternativa que sugiro? A que Cristo sugeriu. By the way, Cristo, ao contrário do que a imagem popular possa sugerir, é quem na Bíblia mais fala acerca do Inferno. É revelador que tantos gostem de elogiar Jesus pelo seu progressismo quando as suas palavras são nas Escrituras as que mais estão cheias de táctica do medo (basta "googlar" Jesus e Inferno). A Igreja nunca precisou de as reescrever porque sempre as levou minimamente a sério. Até chegarmos a este pico de tolerância que eufemiza terceiras vias entre salvação e condenação. É por termos no Inferno não uma possibilidade mas a maior probabilidade que gastamos tempo a falar bem de Jesus: cremos que Ele nos livrou daquilo para o qual nos estávamos a dirigir. A isto não se chama uma Teologia do medo mas da graça. Amamos sempre quem nos salva a vida. A religião que mete toda a gente no Céu é a que o trata sem qualquer critério. Não é uma fé de igualdade mas de indiferença. Deus nos livre dela.
Por Tiago Cavaco
Related Posts with Thumbnails